segunda-feira, 2 de março de 2009

sábado, 28 de fevereiro de 2009

...a cidade e a diversidade...

Viajei por um reino muito grande, cujas distâncias não se vencem de camelo, elefante ou qualquer outro animal amigo do homem. Este reino, por sua extensão, é dividido em cinco grandes partes e estas respectivamente em três, quatro ou cinco frações, as quais por sua vez se dividem em outras tantas partes.
Apenas uma destas partes menores é Dois. Certamente é a cidade mais complexa de todas as cidades dos encontros, pois, dentro dela estão pessoas, coisas e trejeitos de diversos lugares, desde os próximos até os mais remotos do grande reino. Por isso ela é reconhecida como a cidade das diferenças e dos regionalismos. Seus habitantes falam uma mesma língua, porém com diferentes predicados, conjunções e entonações. Vestem-se com tecidos semelhantes, mas que se diferenciam em tons e quantidades, dependendo da procedência dos pigmentos e das lãs. Têm o mesmo fino trato com as escritas e com os desenhos, seja com pena, nanquim, esquadro ou quaisquer outros materiais.
Falando assim surge a dúvida sobre a real diversidade desta cidade. A sutil e ao mesmo tempo evidente diferença entre os habitantes da cidade Dois reside nos diversos costumes, crenças e culturas de cada um. Isso é resultado da imensidão do reino e da forte e incessante separação entre as raízes patriarcais de cada uma das cinco grandes partes. E é neste cenário que habita a beleza de Dois, cidade emblema de todo um universo, onde podemos encontrar desde criadores de cabras até mercadores de novidades tecnológicas. Desde o nativo descendente dos primeiros moradores até o forasteiro que ali busca abrigo.
Essa cidade é um verdadeiro caleidoscópio. Observar essa cidade é um exercício constante, que nunca poderá chegar ao fim tamanho a diversidade e a dinâmica da chegada e saída das pessoas.
Com naturalidade, cada dia (dentro de cada semana, no decorrer de cada ano) representa uma das cinco regiões. Neste dia, todos os acontecimentos remetem à terra distante. As comidas, as cantigas, os sotaques e a maneira de andar de uma das regiões são repetidos. Talvez, para uma pessoa desinformada, apresente-se a incerteza sobre sua própria localização.
Uma dúvida sobre esta cidade persiste nas mentes daqueles que ali habitam.
O que exatamente é Dois?
A primeira vista ela é a reprodução de outros lugares...
...entretanto, há quem diga que ela não reproduz; ela inspira a existência de outros lugares!




MAPA DA DIVERSIDADE

CANÇÃO DA IDADE


Até ontem havia luz em meus olhos
Sem eu saber
E porque não sabia
O nome que se dava àquilo.

Não conhecia a substância da cidade nômade
Nem que eram seus habitantes
A multidão colorida de um milhão de vozes

Não sabia reconhecer a fome de conhecer-se
Apenas a tinha.

O futuro era um fantasma
Os horizontes eram todos possíveis
As aventuras eram todas nossas.

“De onde você é?
Como se chama?”
A multidão repartiu-se em indivíduos
Moravam em endereços
Cursavam Faculdades
Tinham sobrenomes
Suas vozes tinham modismos próprios

Com todos os amigos compartilhava escassos minutos
De horas urgentes.
Estes minutos
Antevendo possibilidades mil
Duravam dias, com a intensidade de vidas
E ainda assim eram poucos.

Sem percebermos
Os amigos mudavam
Cresciam
Eu, sendo amigo de alguém,
Também cresci.

Os amigos, então, deixaram de vir
Surpreendo-me com notícias escassas
De fatos marcantes de suas vidas
Fotogramas de um movimento


Formaram-se
Conseguiram algum sucesso
Têm nomes nos jornais
Viajaram atrás de loucos amores
Foram-se para o estrangeiro
Estão sozinhos
Mudaram de área
Quem sabe o que lhes espera?

Aquele é um designer
O outro, um professor
Ela foi para o México
Tem um que virou doutor

Os nomes foram-se
A multidão reintegrou-se
Colorida como caleidoscópio
Um milhão de vozes.
Perdi meu nome, e faço de novo parte
Da multidão.

“De onde você vem?
Qual é o seu nome?”
Há luz em seus olhos
No íntimo secreto, conhecem
A alma da cidade nômade

Quem sabe o que me espera?
As aventuras são todas nossas.





ENTREVISTA COM DANIEL PAZ
[Daniel Paz é arquiteto, formado pela Universidade Federal da Bahia]

SOBRE O ENEA CURITIBA

Do ENEA Curitiba, lembro de episódios. (De todos os Encontros lembro episódios. Difícil achar que a vida é como um filme contínuo). A cena mais bonita talvez tenha sido a própria chegada. O gramado verde, o povo estirado à espera da entrega dos crachás. E, lá, os amigos com quem ia re-encontrando. Naquela época – e acho que todos têm sua época assim nos Encontros – eu tinha um prazer único em mal chegar e já sair buscando os conhecidos. Deixar as malas em qualquer canto e sair à cata de conhecidos (passando pelo constrangimento habitual de não se lembrar daonde conhecia aquela figura, e, claro, muito pior, nem mesmo seu nome).

Mas o gramadão era único. Um talude verde. Debaixo de araucárias. Um céu azul. Um solo que alumia, mas não queima (só no Sul isso acontece). E a pachorra do povo estirado ali. Rodinhas de amigos, mochilas ao lado, violões. Nossa roda de amigos, com bolachas e sucos de frutas.

Posso falar de jornadas com os amigos da Faculdade pela cidade. Curitiba foi um fechar de ciclo. Brincávamos que era o tempo havia se descarrilado e estávamos voltando para corrigi-lo. Porque reunimos uma trupe que tinha estado em Encontro pela última vez em 1997, no ENEA Porto Alegre. A meninice e a inexperiência daquele se complementava com a maturidade (e veteranice) deste. Os Encontros são formados pelos seus amigos – da Faculdade e de fora dela.

Um adendo: para quem vem da Bahia, a viagem é demorada. Mais de um par de dias. Dá para começar grandes amizades só nesse percurso. E começamos. Inclusive a que deu início ao namoro, noivado, e casamento de amigo que vai acontecer em breve. Algumas dessas figuras tornaram-se, por sua vez, o rosto dos meus Encontros seguintes; quando eles pararam de ir, eles perderam muito do seu charme.

Pela primeira vez, planejamos as fantasias da Festa à Fantasia e do ENEA Gay, que foi um barato. Meu Encontro começou quando compramos e preparamos as coisas, como se vê.

Meu ENEA Curitiba aconteceu também num churrasco, na casa de velha amiga, das primeiras amizades que construí indo a ENEAs, juntando uma velha guarda de amigos paranaenses e baianos. E outra velha guarda (em parte a mesma), em outro churrasco, também em uma casa de um curitibano.

Na época acreditava que a força do Encontro não vinha daquilo que achávamos que era o mais importante, mas desses momentos que sentíamos como episódios: a Viagem, a Chegada, momentos que dávamos o sentido da poesia e do sentimento, e sobretudo a Despedida e a Chegada. Por isso talvez tenha ficado mais sensível a isso. Para tentar capturar o intangível, punha-me a escrever poesias sobre o assunto num caderninho. Talvez por isso esse testemunho seja composto de episódios mais vivazes, e não de algum tipo de síntese.

Lembro também da “câmara de gás”: o nome que os estudantes da UFPR davam à Sala de Provas, um grande vão livre, com iluminação zenital, onde ficamos alojados. Conseguimos, com muito esforço, um cantinho para nossos amigos (de outros Encontros... pelo menos desde o ENEA Rio) da USP se abancarem. Do outro lado, o povo alegre da UFES (Espírito Santo). Esse povo de Sampa foi quem organizou depois a famosa Balada do Porão, que foi no Undergaund – uma sala enterrada que era parte do GAU, o Grêmio de Arquitetura e Urbanismo. Que encheu de gente quando aconteceu, e gerou tumulto no dia seguinte, porque fecharam o lugar – porque era perigoso realmente para a festinha. Mas o vão livre era ótimo: era frio (deixaram os sheds abertos lá em cima e esqueceram-se que o ar frio desce, e o ar gelado desce ainda mais rápido), era muito frio, era congelante, mas estava cheio de gente de tudo que é lado e era divertido como só pode ser quando se junta gente de cantos diferentes (o povo hoje tem perdido esse gosto porque é cada vez menos freqûente o vão livre... mas quando ele, por acidente, é usado... que explosão!). Lembro, e como poderia esquecer?

Lembro de Marcinho (ex-UFES, na época UFPR) tocando em um palquinho na entrada do evento clássicos do rock e a tendinha lotada em êxtase, cantando junto. Inesquecível.

Lembro de uma manhã com neblina, e nós filmando um termômetro apontanto -1ºC. Para uma trupe de baianos...

E lembro da volta. Do ônibus silencioso, os ânimos cansados, buscando algum tipo de regeneração de dez dias intensos (lembrem-se da viagem de ida), de algo que tem uma hora que se diz “chega”, para ruminar o tanto que aconteceu.

O meu ENEA Curitiba começou muitas semanas antes. Sua abertura foi quando nos reunimos, pela enésima vez, na frente do Boulevard 161 (aquele lugar, hoje, para mim, é sagrado – é meu porto para tantas viagens rumo à uma outra realidade). Aconteceu no campus da UFPR mas também ao redor de churrasqueiras pela cidade de Curitiba. E seu encerramento se deu quando nos despedimos, no mesmo lugar, cada um voltando para o seu canto.

Esse foi o meu ENEA Curitiba.



DOIS, A CIDADE DA DIVERSIDADE
O XXVI ENEA aconteceu na cidade de Curitiba, no ano de 2002.
Foi o meu primeiro encontro no sul do país. E este fato fez toda a diferença. Tive a impressão que não havia “saído de casa”, ao contrário do ano anterior, onde ficamos três dias viajando em ônibus. E por me sentir mais a vontade, acabei deixando de lado a cidade sede. Pude então perceber com mais detalhes a grandiosidade de nosso país e a enorme diversidade e a enorme diversidade que existe entre seus habitantes. Cada dia do encontro representava uma das cinco regionais da federação (FeNEA), lacuna para a percepção do regionalismo nas suas mais diversas formas.
Alteridade é um sinônimo para esta cidade, onde “eu” percebo o “outro” e reconheço a sua diferença. Por fim acabo me reconhecendo como pessoa, dentro das diferenças e semelhanças.